DOG IN PANTS
2022
modelo PEDRO HUGO VILANOVA
styling ALICE RUFFO e GABRIEL VENZI
fotografia GABRIEL VENZI
texto MARIA EDUARDA VERÍSSIMO
estúdio VIGA
Não é preciso que eu descreva tanto essas imagens para vocês, como em muitos textos eu traduzo a linguagem imagética da moda a fim de torná-la acessível aos menos atentos. Francisco Silva as torna acessíveis, e Francisco é sobre acessibilidade, liberdade, força e sensualidade.
O mineiro de 26 anos, nascido na periferia de Juiz de Fora, cresceu em um lar cercado de amor e apoio dos pais. Ele foi uma criança Queer e, como todas essas crianças, um dia teve medo de se vestir e de se portar como desejava. Mas na sua história, houve uma casa que era lar, um lar que abrigava proteção, proteção que incentivou, e incentivo que permitiu que o menino despontasse num caminho de conquistas de espaços e representatividade.
Foi no Centro Cultural Dnar Rocha e através do programa Gente em Primeiro Lugar que tudo começou. Anos mais tarde, ele entrou profissionalmente para o grupo de Hip Hop, Remiwl, onde, para os professores Israel Alves, Miranda e Bruno Barbosa - também negros e periféricos -, não bastava memorizar os movimentos ritmados com música; era preciso estudar sobre a dança. Eles despertaram curiosidade e ressaltaram que conhecimento empodera. Essa lição do Remiwl foi o que Francisco carregou consigo para a vida e, para além da dança, através de pesquisas, conseguiu entender sua sexualidade, ganhando confiança para expressar cada vez mais seu estilo e descobrindo uma paixão pela qual, como autodidata, ele conectou a coreografia - a moda.
O produto de moda, a roupa, é capaz de produzir um movimento para além do próprio corpo. O impacto do figurino é um dos instrumentos que compõem a orquestra que forma o ballet: os corpos se movem, as roupas acompanham, as luzes batem, as roupas refletem, o salto é dado, a roupa evidencia. Francisco emergiu nas ruas e, a partir do figurino, passou a vestir identidade. Sem escapatória, ele caminhou em direção à cena Ballroom.
A Ballroom tem origem nos Estados Unidos na década de 70, como resposta à necessidade de reafirmação dos corpos negros LGBT e à conquista de espaços para essas existências como um ato de resistência ao racismo imposto naquele período, especialmente direcionado à comunidade travesti, trans, negra e latina. Essas pessoas formavam casas (Houses de Vogue) que eram mais do que grupos de competição; tratavam-se de estruturas familiares afetuosas, resultado do acolhimento daqueles que foram abandonados por seus pais biológicos ou tiveram que deixar suas casas devido a realidades hostis. Essas casas competiam em relação a figurino e performance, criando um espetáculo cultural e criativo que evoluiu e ganhou notoriedade e respeito. Mais tarde, Madonna e seu fenômeno Vogue contribuíram significativamente para a disseminação da dança que intitula sua canção. A dança Voguing chegou antes da Ballroom por aqui, mas como parte inerente disso, hoje, até Juiz de Fora está em chamas!
Como todo movimento cultural emergente, a Ballroom teve origem em um cenário de segregação e marginalização, tornando-se um movimento político em celebração à diversidade. Por isso, abriga nomes emblemáticos da cena como Venus Xtravaganza (1965-1988) Pepper LaBeija (1948-2003) e Willi Ninja (1961-2006), nomes constantemente lembrados e mantidos vivos na atualidade, como símbolos de resistência, sendo responsáveis por pavimentar o caminho e humanizar vivências como a de Francisco. A história da Ballroom possui muitas documentações devido à importância memoriosa na caminhada LGBTQIAP+, e a síntese mais indicada está devidamente registrada no documentário dirigido por Jennie Livingston, Paris is Burning (1990), uma crônica precisa para aqueles que desejam se aprofundar.